VI. O abandono da Beleza

Delineado suficientemente o “trauma” eclesial gerado pela abolição forçada das formas tradicionais, fica por examinar detalhadamente os principais elementos que as palavras do Papa chamam “deformações arbitrárias da liturgia” introduzidas naqueles anos.

Primeiramente há o fator estético e artístico. É conhecido como nos séculos a Igreja tributou culto a Deus também por meio do empenho das melhores e mais magníficas formas de expressão artística, não se contentando com aquelas já existentes, mas suscitando continuamente no seu interior novos estilos de expressão do belo e do sublime.

Durante o último meio século (com consistentes antecipações anteriores) manifestou-se, ao invés, no interior da Igreja, a tendência oposta de simplificação das formas estéticas, em nome da “pobreza” do culto, na pressuposição que o “triunfalismo” das formas artísticas, figurativas, arquitetônicas e sonoras, não faziam mais que esconder e falsificar a verdadeira natureza da liturgia.

Ora, para Bento XVI, “o abandono da beleza mostrou-se, como os fatos o comprovam, um motivo de prejuízo pastoral” (Rapporto sulla fede, p. 132). O texto continua: “Tornou-se sempre mais perceptível o tremendo empobrecimento que se manifesta onde se expulsa a beleza e se fica sujeito somente ao útil. A experiência demonstrou como a insistência na única categoria do “compreensível a todos” não fez realmente as liturgias mais compreensíveis, mais abertas, mas somente mais pobres. Liturgia “simples” não significa miserável ou a preço de banana: há uma simplicidade que vem do banal e uma outra, que deriva da riqueza espiritual, cultural, histórica”.

Ainda que o Papa tenha dedicado páginas notáveis à iconografia e à arquitetura religiosa, é, sobretudo, a música sacra que atrai a sua atenção como insubstituível instrumento de real participação litúrgica. O texto acima citado continua: “Deixou-se de lado a grande música da Igreja em nome da ‘participação ativa’. Mas, esta participação não significa também o perceber com o espírito, com os sentidos? Não há mesmo nada de ‘ativo’ no ouvir, no intuir, no comover-se? Não há nisso uma diminuição do homem, uma redução somente à expressão oral, exatamente quando sabemos que aquilo que existe em nós de racionalmente consciente é somente a ponta de um iceberg em relação a isto que é a nossa totalidade? Perguntar isto certamente não significa opor-se ao esforço para fazer cantar todo o povo, opor-se à ‘músico comum’: significa opor-se u um exclusivismo (só aquela música) que não é justificado nem pelo Concílio nem pelas necessidades pastorais”. E ainda: “Uma Igreja que se reduza somente a usar da música ‘corrente’ cai no inapto e se torna ela própria inapta. A Igreja tem o dever de ser também ‘cidade da glória’, lugar onde são recolhidas e levadas a Deus as vozes mais profundas da humanidade. A Igreja não pode nutrir-se somente do ordinário, do usual: deve exprimir a voz do próprio Cosmo, glorificando o Criador e desvelando ao próprio Cosmo a sua grandeza, tornando-o belo, habitável, humano.