VIII. O problema da língua litúrgica

Quem não conhece bem os textos (realmente volumosos) do Concílio Vaticano II, normalmente está convicto que este tenha decretado a supressão da língua latina na Missa em favor da língua vulgar.

Por isso mesmo, fica-se impressionado quando se lê, no início do n. 36 da Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, a peremptória afirmação: “O uso da língua latina, salvo direitos particulares, seja conservada nos ritos latinos (isto é, salvo nos ritos orientais)”.

A mesma Constituição delimita com precisão o possível âmbito da língua vulgar: “Porém, já que, seja na Missa, seja na administração dos sacramentos, seja em outras partes da liturgia, com frequência o uso da língua nacional pode ser de grande utilidade para o povo, conceda-se à língua nacional uma parte mais ampla, especialmente nas leituras e nas exortações, em algumas orações e cânticos, segundo as normas fixadas para os casos particulares nos números seguintes”. O sucessivo número 54, depois de ter retomado tais possíveis concessões, define que “tenha cuidado, porém, que os fiéis saibam recitar e cantar juntos, também em língua latina, as partes do ordinário da Missa que lhes compete”.

É claramente evidente que os Padres conciliares, ao aprovarem este texto, não tinham a mínima intenção de provocar o total ou quase total desaparecimento da língua latina na liturgia, coisa que, ao invés ocorreu bem depressa.

Não valendo para os clérigos, que obviamente se supunha instruídos na antiga língua litúrgica, o problema da compreensibilidade dos ritos, a mesma Constituição conciliar afirma peremptoriamente no número 11: “Segundo a secular tradição do rito latino, para os clérigos seja conservada no Ofício Divino a língua latina”. Como é sabido, também este pedido do Concílio foi quse que imediatamente desatendido de modo total.

Na já mencionada entrevista de 5 de setembro de 2003, o então Cardeal Ratzinger esclareceu o seu pensamento sobre o assunto: “De modo geral”, declara, “eu penso que traduzir a liturgia nas línguas faladas tenha sido uma boa coisa, porque devemos compreendê-la, devemos nela tomar parte também com nosso pensamento; as, uma presença mais forte de alguns elementos latinos ajudaria a dar uma dimensão universal, fazendo sim que em qualquer lugar do mundo alguém possa dizer ‘eu estou na mesma Igreja’. Por isso, em geral, as línguas faladas são uma solução. Mas, alguma presença do latim poderia ser útil para ter uma maior experiência da universalidade”.

Em “Dio e il mondo”, p. 381, ele diz: “Hoje, o latim na Missa parece quase um pecado. Mas, assim se elimina também a possibilidade de comunicação entre falantes de línguas diversa, que é tão importante em territórios mistos”.

Além da língua latina, também uma outra língua litúrgica comum caiu, salvo algumas exceções, com os golpes das reformas pós-conciliares: a língua do silêncio. Na liturgia tradicional, ofertório e cânon eucarístico formavam grandes zonas de silêncio sagrado, no qual o sacerdote celebrava em voz baixa diante do altar, enquanto o povo acompanhava a ação em silêncio orante. Como se viu, debaixo dos golpes da interpretação sociológica da “actuosa participatio” este sagrado silêncio foi reduzido a uma breve pausa durante a elevação.

No muitas vezes citado e fundamental “Introduzione allo spirito della liturgia”, a p. 210-211, o então Cardeal escreve: “Para desgosto de muitos liturgistas, em 1978, eu afirmei que realmente não é dito que o cânon todo deva ser pronunciado em alta voz. Depois de ter refletido nisso, gostaria de repeti-lo com força, na esperança que depois de vinte anos esta tese possa encontrar um pouco de compreensão. Efetivamente, não é verdade que a recitação em alta voz, ininterrupta, da Oração Eucarística seja a condição para a participação de todos neste ato central da Celebração eucarística. A minha proposta de então era: por uma parte da educação litúrgica deve sim fazer-se com que os fiéis conheçam o significado essencial e a direção fundamental do cânon; por outra parte, as primeiras palavras de cada oração deveriam ser pronunciadas em alta voz como um convite à toda a comunidade, de modo que, depois, oração silenciosa de cada um faça sua a intonação e possa levar a dimensão pessoal àquela comunitária e a comunitária, na dimensão pessoal. Fundamental. Quem pessoalmente viveu a unidade da Igreja no silêncio da Oração Eucarística, experimentou o que é o silêncio verdadeiramente pleno, que representa juntamente um forte e penetrante grito dirigido a Deus, uma oração cheia de espírito”.